Responsabilização do condomínio pelos danos causados por seus empregados, mesmo que fora do horário de trabalho. Possibilidade. Considerações. STJ, Terceira Turma, REsp 1.787.026.
Por Flávio Borges
11 de janeiro de 2023
Civil
Responsabilidade civil

Entendimento

O condomínio edilício responde pelos danos causados por seus empregados mesmo que fora do horário de expediente, desde que em razão do seu trabalho.
 

Hipótese fática

O empregado de um condomínio, tendo permanecido no local de trabalho mesmo depois do horário de serviço, terminou por se embriagar e pegar o carro de um dos condôminos; depois, saindo do prédio no carro em que dirigia, envolveu-se em colisão que gerou danos no automóvel.

O proprietário do veículo ajuizou ação para postular pelos danos materiais contra o próprio condomínio. A sentença de primeiro julgou procedente o pedido, mas o TJ/RJ a reformou em sede de apelação, com o argumento de que o condomínio não foi o responsável direto e imediato pelos danos causados, conforme exigência posta no art. 403 do Código Civil.

O caso chegou ao STJ por meio de recurso especial.

Fundamentos

O STJ começou por lembrar que, de regra, a responsabilidade civil recai sobre o próprio causador do dano. Mas a legislação traz hipóteses em que se dá a chamada responsabilidade civil de terceiros, em que o ordenamento jurídico atribui a uma terceira pessoa (natural ou jurídica) a responsabilidade civil pelos fatos praticados pelo autor do dano.

Na hipótese, os danos no veículo foram fisicamente causados pelo empregado do condomínio, mas o pedido de indenização foi dirigido ao próprio condomínio, por força do art. 932, III, do CC, de acordo com o qual:

“Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
(...)
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; (...).”

O caso, então, trouxe à tona as teorias a respeito do nexo de causalidade, instituto de imprescindível análise para saber se o condomínio deve ou não ser responsabilizado em uma hipótese como essa.

A primeira teoria citada no voto do relator – proferido, aliás, em 60 páginas – foi a da equivalência das condições. Por meio dela, todos os fatos e condições que, de qualquer forma, tenham colaborado para a ocorrência de determinado dano O STJ começou por lembrar que, de regra, a responsabilidade civil recai sobre o próprio causador do dano. Mas a legislação traz hipóteses em que se dá a chamada responsabilidade civil de terceiros, em que o ordenamento jurídico atribui a uma terceira pessoa (natural ou jurídica) a responsabilidade civil pelos fatos praticados pelo autor do dano.
 
Na hipótese, os danos no veículo foram fisicamente causados pelo empregado do condomínio, mas o pedido de indenização foi dirigido ao próprio condomínio, por força do art. 932, III, do CC, de acordo com o qual:
 
“Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
(...)
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; (...).”
 
O caso, então, trouxe à tona as teorias a respeito do nexo de causalidade, instituto de imprescindível análise para saber se o condomínio deve ou não ser responsabilizado em uma hipótese como essa.
 
A primeira teoria citada no voto do relator – proferido, aliás, em 60 páginas – foi a da equivalência das condições. Por meio dela, são considerados causa todos os fatos e condições que, de qualquer forma, tenham colaborado para a ocorrência de determinado dano. A teoria é criticada porque poderia levar a uma regressão infinita de causas, tal como se o Direito pudesse ser equiparado às ciências naturais.
 
A segunda teoria explicada no julgamento foi a da causalidade adequada, que serve para eliminar os inconvenientes da teoria anterior. Por meio da causalidade adequada, considera-se causa aquele fato com melhor aptidão ou maior idoneidade para gerar um resultado lesivo; é aquele fato que apresenta como consequência normal a ocorrência de um determinado resultado danoso. Na prática, faz-se um raciocínio retroativo, eliminando-se hipoteticamente o fato em discussão para saber se o resultado deixaria de acontecer.
 
Por fim, o STJ citou a teoria do dano direito e imediato (ou da causalidade necessária), a que o art. 403 do CC faz referência. Por meio dessa teoria, considera-se causa do dano aquele evento que é necessário para que se atinja o resultado. Essa teoria foi aplicada no acórdão recorrido (do TJ/RJ), quando se entendeu que o condomínio não poderia ser responsabilizado porque a causa necessária dos danos no automóvel não foi o fato de o empregado ter permanecido no condomínio para além do horário de trabalho nem o de o vigia tê-lo deixado sair com o carro do condômino, mas a colisão externa que sucedeu, a qual, na visão do TJ/RJ, interrompeu o nexo causal advindo desses eventos anteriores. Por meio desse raciocínio, o condomínio não poderia ser responsabilizado.
 
O STJ, porém, entendeu que o tema do nexo de causalidade precisa ser analisado com considerações mais práticas, conforme o relator pontuou:
 
“Isso não afasta, entretanto, a utilidade prática das demais teorias, pois a verificação dos fatos que podem ser considerados como causas de um determinado evento danoso, antes de ser um problema teórico, é uma questão de ordem prática, onde se situam as mais variadas dificuldades concretas. (...)
As teorias nada mais são do que ferramentas postas à disposição dos operadores do Direito, podendo-se comparar a atividade do juiz com a do médico, que, para enfrentar uma determinada doença apresentada por seu paciente, pode contar com mais de uma alternativa de tratamento sem que nenhuma das técnicas possíveis se mostre equivocada.”
 
Depois, o STJ lembrou que o Código Civil de 2002 não repetiu os conceitos de culpa in vigilando (pai em relação ao filho), culpa in elegendo (empregador em relação ao empregado) e culpa in custodiando (dono em relação ao animal). Agora, o CC de 2002 prevê, nessas hipóteses, a responsabilidade objetiva (art. 933 do CC), que dispensa o dolo e a culpa.
 
A Corte, então, considerou, de um lado, que o autor do dano era empregado do condomínio, embora não estivesse mais no seu horário de trabalho. De outro lado, o funcionário que estava trabalhando consentiu que ele pegasse a chave do veículo do demandante e o dirigisse em estado de embriaguez. A permissão de saída do veículo pelo vigia do prédio constituiu inequivocamente uma das causas relevantes (necessária ou adequada) para o implemento do evento danoso. Demais disso, o empregado responsável pela colisão permaneceu no local de trabalho além do seu horário de expediente, tendo-se embriagado com o conhecimento de outros funcionários do condomínio. . A teoria é criticada porque poderia levar a uma regressão infinita de causas, tal como se o Direito pudesse ser equiparado às ciências naturais.

Dispositivos

Código Civil
Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
(...)
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
(...)

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos

Copiar

Ementa

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIIVL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE DE CONDOMÍNIO EDILÍCIO. DANO CAUSADO EM AUTOMÓVEL DE CONDÔMINO POR EMPREGADO DO CONDOMÍNIO FORA DO HORÁRIO DE TRABALHO.
1. Demanda indenizatória movida por um condômino contra o condomínio edilício para a reparação dos danos causados em seu veículo indevidamente conduzido por funcionário incumbido da faxina do prédio, que estava fora do seu horário normal de trabalho.
2. Controvérsia em torno da responsabilidade do condomínio edilício pelos danos causados por um de seus empregados fora do horário de trabalho.
3. A divergência entre julgados do mesmo Tribunal não enseja recurso especial, conforme o Enunciado n.º 13, da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
4. A doutrina e a jurisprudência oscilam entre as teorias da causalidade adequada e do dano direto e imediato (interrupção do nexo causal) para explicar a relação de causalidade na responsabilidade civil no Direito brasileiro.
5. O importante é que somente se estabelece o nexo causal entre o evento danoso e o fato imputado ao agente demandado, quando este surgir como causa adequada ou determinante para a ocorrência dos prejuízos sofridos pela vítima demandante.
6. A conduta do empregado do condomínio demandado que, mesmo fora do seu horário de expediente, mas em razão do seu trabalho, resolve dirigir o veículo de um dos condôminos, causando o evento danoso, constitui causa adequada ou determinante para a ocorrência dos prejuízos sofridos pela vítima demandante.
7. O empregador é responsável pelos atos ilícitos praticados por seus empregados ou prepostos no exercício do trabalho ou em razão dele, conforme o disposto no art. 932, inciso III, do Código Civil.
8. No Código Civil de 2002, em face do disposto no art. 933 do Código, não se cogita mais das figuras da culpa "in vigilando" ou da culpa "in eligendo", na responsabilidade do empregador, por ser esta objetiva (independente de culpa) pelos atos ilícitos praticados por seus empregados ou prepostos no exercício do trabalho ou em razão dele, 9. Procedência da demanda indenizatória, restabelecendo-se os comandos da sentença de primeiro grau.
10. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESTA EXTENSÃO, PROVIDO.
(REsp n. 1.787.026/RJ, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 26/10/2021, DJe de 5/11/2021.)

Leia a ementa completa
Comprimir ementa
Responsabilização do condomínio pelos danos causados por seus empregados, mesmo que fora do horário de trabalho. Possibilidade. Considerações. STJ, Terceira Turma, REsp 1.787.026.