Recurso Repetitivo, Tema 876. Execução Fiscal. Indicação do RG, do CPF ou do CNPJ do devedor. Desnecessidade. STJ, Primeira Seção, REsp 1.450.819.
17 de janeiro de 2023
Processo civil
Petição Inicial
Tributário
Execução Fiscal

Tese

Em ações de execução fiscal, descabe indeferir a petição inicial sob o argumento da falta de indicação do CPF e/ou RG da parte executada (pessoa física), visto tratar-se de requisito não previsto no art. 6º da Lei nº 6.830/80 (LEF), cujo diploma, por sua especialidade, ostenta primazia sobre a legislação de cunho geral, como ocorre frente à exigência contida no art. 15 da Lei nº 11.419/06.

Em ações de execução fiscal, descabe indeferir a petição inicial sob o argumento da falta de indicação do CNPJ da parte executada (pessoa jurídica), visto tratar-se de requisito não previsto no art. 6º da Lei nº 6.830/80 (LEF), cujo diploma, por sua especialidade, ostenta primazia sobre a legislação de cunho geral, como ocorre frente à exigência contida no art. 15 da Lei nº 11.419/06.

Hipótese fática

O Município de Manaus ingressou com execução fiscal para a cobrança de um crédito de IPTU. O juízo de primeiro grau, porém, depois de intimar o exequente para regularizar a petição inicial, extinguiu o processo sem resolução de mérito, ao fundamento de que o autor não indicou o CPF do executado.

Seguiu-se o recurso de apelação, ao qual o TJ/AM negou provimento, com a consideração de que é imprescindível proceder-se à correta qualificação do executado.

O Município de Manaus ingressou, então, com recurso especial, submetido ao rito dos recursos repetitivos, onde expôs que a Lei 6.830/80 – que rege o processo de execução fiscal – não faz essa exigência de indicação do CPF do executado.

Fundamentos

A controvérsia resolvida pelo STJ dizia respeito à necessidade de que o exequente aponte, em sede de execução fiscal, o CPC do executado, conforme exige o art. 282 do CPC/73 (ao qual corresponde o art. 319 do CPC/2015).

A Corte considerou, porém, que a Lei 6.830/80 deve ser tomada como norma especial em relação ao Código de Processo Civil. De fato, o art. 6º da Lei 6.830/80 (que regula os processos de execução fiscal) se limita a exigir que a inicial indique o juiz a quem o processo se dirige, o pedido e o requerimento de citação.

O STJ trouxe à tona a citação de alguns processualistas, para dizer que, “A respeito do tema, Claudio Carneiro B. P. Coelho esclarece que ‘O artigo 6º [da Lei 6.830/80] deve prevalecer sobre a regra contida no artigo 282 do CPC. Isto porque a LEF é uma lei especial que deve prevalecer sobre a lei geral (lex specialis derrogat lex generalis)’ (A Lei de Execução Fiscal (6.830/80) comentada por artigos. in: Informativo Advocacia Dinâmica, Boletim Semanal n. 01, jan/2007, p. 446).”

Na mesma linha, “José da Silva Pacheco, ao comentar o citado dispositivo da Lei 6.830/80, afirma que "O art. 6º constitui exceção à regra geral do art. 282 do CPC. A petição inicial é simplificada, tendo como elementos indispensáveis apenas o pedido, a menção ao juízo e o requerimento para a citação. (Comentários à Lei de Execução Fiscal: (Lei 6.830, de 22-9-1980). 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 126).”

Esse mesmo argumento foi usado para afastar a incidência do art. 15 da Lei 11.419/2006, o qual exige que as petições iniciais indiquem o CPF e/ou o CNPJ – embora sem esclarecer expressamente, presume-se que o autor deve indicar tanto os seus dados como os dados dos réus do processo. Mas o STJ considerou, pelo mesmo fundamento da especialidade, que a Lei 6.830/80 deve prevalecer sobre a Lei 11.419/2006.

De resto, o entendimento, embora criado a partir do CPC de 1973, surge aplicável em relação ao CPC de 2015, cujo art. 319, II, faz a exigência expressa de que o autor indique na petição inicial o CPF (ou o CNPJ) das partes, determinação que, porém, não precisa ser seguida nas execuções fiscais.

Dispositivos

Lei 6.830/80
Art. 6º - A petição inicial indicará apenas:
I - o Juiz a quem é dirigida;
II - o pedido; e
III - o requerimento para a citação.
§ 1º - A petição inicial será instruída com a Certidão da Dívida Ativa, que dela fará parte integrante, como se estivesse transcrita.
§ 2º - A petição inicial e a Certidão de Dívida Ativa poderão constituir um único documento, preparado inclusive por processo eletrônico.
§ 3º - A produção de provas pela Fazenda Pública independe de requerimento na petição inicial.
§ 4º - O valor da causa será o da dívida constante da certidão, com os encargos legais.

Código de Processo Civil de 2015
Art. 319. A petição inicial indicará:
I - o juízo a que é dirigida;
II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu;
III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;
IV - o pedido com as suas especificações;
V - o valor da causa;
VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;
VII - a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.

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Ementa

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DOS REPETITIVOS (ART. 543-C DO CPC). DISSÍDIO PRETORIANO NÃO CARACTERIZADO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL DECLARATÓRIA NÃO EVIDENCIADA. INCOMPETÊNCIA DO STJ PARA REVISÃO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL NA VIA RECURSAL ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. EXIGÊNCIA DE INDICAÇÃO DO CPF/RG DO EXECUTADO NA PETIÇÃO INICIAL. DESNECESSIDADE. REQUISITOS NÃO PREVISTOS NA LEI Nº 6.830/80 (LEI DE EXECUÇÃO FISCAL). PREVISÃO EXISTENTE NA LEI Nº 11.419/06 (LEI DE INFORMATIZAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL). PREVALÊNCIA DA LEI ESPECIAL (LEI Nº 6.830/80). NOME E ENDEREÇO DO EXECUTADO SUFICIENTES À REALIZAÇÃO DO ATO CITATÓRIO. FIXAÇÃO DA TESE, EM REPETITIVO, DA DISPENSABILIDADE DA INDICAÇÃO DO CPF E/OU RG DO DEVEDOR (PESSOA FÍSICA) NAS AÇÕES DE EXECUÇÃO FISCAL. RECURSO DO FISCO PROVIDO.
1. Conhece-se do especial apenas pelo autorizativo da letra "a", vez que a invocada divergência jurisprudencial não restou evidenciada.
Não se presta o especial, ademais, para revisar alegado maltrato a regramento constitucional.
2. O tribunal de origem prestou a jurisdição de forma completa, não se descortinando, por isso, a aventada ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Nas instâncias ordinárias, decidiu-se pelo indeferimento da petição inicial de ação de execução fiscal movida pelo município de Manaus-AM, sob o argumento da falta de indicação, pelo exequente, do número do CPF da pessoa física executada.
4. Tal exigência, contudo, não se acha prevista na legislação especial que rege o procedimento executivo fiscal, a saber, a Lei nº 6.830/80, cujo art. 6º, ao elencar os requisitos da petição inicial, não prevê o fornecimento do CPF da parte executada, providência, diga-se, também não contemplada no art. 282, II, do CPC.
5. A previsão de que a petição inicial de qualquer ação judicial contenha o CPF ou o CNPJ do réu encontra suporte, unicamente, no art. 15 da Lei nº 11.419/06, que disciplina a informatização dos processos judiciais, cuidando-se, nessa perspectiva, de norma de caráter geral.
6. Portanto, e sem que se esteja a questionar a utilidade da indicação do CPF da pessoa física executada já na peça inaugural, certo é que não se pode cogitar de seu indeferimento com base em exigência não consignada na legislação específica (Lei nº 6.830/80-LEF), tanto mais quando o nome e endereço da parte executada, trazidos com a inicial, possibilitem, em tese, a efetivação do ato citatório.
7. Em caso assemelhado, também decidido em sede de repetitivo, a 1ª Seção do STJ concluiu por afastar a exigência de que a exordial da execução se fizesse acompanhar, também, da planilha discriminativa de cálculos, isto porque "A petição inicial da execução fiscal apresenta seus requisitos essenciais próprios e especiais que não podem ser exacerbados a pretexto da aplicação do Código de Processo Civil, o qual, por conviver com a lex specialis, somente se aplica subsidiariamente" (REsp 1.138.202/ES, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 01/02/2010).
8. Outrossim, a existência de atos normativos do Conselho Nacional de Justiça (Resoluções 46/07 e 121/10) e de verbete do Tribunal local (Súmula 02/TJAM), prevendo a indicação do CPF/CNPJ dos litigantes já no pórtico das ações em geral, não se prestam, só por si, a legitimar o indeferimento da petição inicial em ações de execução fiscal, sem prejuízo da vinda desses dados cadastrais em momento posterior.
9. Tese fixada para os fins do art. 543-C do CPC: "Em ações de execução fiscal, descabe indeferir a petição inicial sob o argumento da falta de indicação do CPF e/ou RG da parte executada (pessoa física), visto tratar-se de requisito não previsto no art. 6º da Lei nº 6.830/80 (LEF), cujo diploma, por sua especialidade, ostenta primazia sobre a legislação de cunho geral, como ocorre frente à exigência contida no art. 15 da Lei nº 11.419/06".
10. Recurso especial do fisco municipal parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido para, no caso concreto, determinar-se o regular prosseguimento da execução fiscal.
(REsp n. 1.450.819/AM, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, julgado em 12/11/2014, DJe de 12/12/2014.)

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