Tese
Em ações de execução fiscal, descabe indeferir a petição inicial sob o argumento da falta de indicação do CPF e/ou RG da parte executada (pessoa física), visto tratar-se de requisito não previsto no art. 6º da Lei nº 6.830/80 (LEF), cujo diploma, por sua especialidade, ostenta primazia sobre a legislação de cunho geral, como ocorre frente à exigência contida no art. 15 da Lei nº 11.419/06.
Em ações de execução fiscal, descabe indeferir a petição inicial sob o argumento da falta de indicação do CNPJ da parte executada (pessoa jurídica), visto tratar-se de requisito não previsto no art. 6º da Lei nº 6.830/80 (LEF), cujo diploma, por sua especialidade, ostenta primazia sobre a legislação de cunho geral, como ocorre frente à exigência contida no art. 15 da Lei nº 11.419/06.
Hipótese fática
O Município de Manaus ingressou com execução fiscal para a cobrança de um crédito de IPTU. O juízo de primeiro grau, porém, depois de intimar o exequente para regularizar a petição inicial, extinguiu o processo sem resolução de mérito, ao fundamento de que o autor não indicou o CPF do executado.
Seguiu-se o recurso de apelação, ao qual o TJ/AM negou provimento, com a consideração de que é imprescindível proceder-se à correta qualificação do executado.
O Município de Manaus ingressou, então, com recurso especial, submetido ao rito dos recursos repetitivos, onde expôs que a Lei 6.830/80 – que rege o processo de execução fiscal – não faz essa exigência de indicação do CPF do executado.
Fundamentos
A controvérsia resolvida pelo STJ dizia respeito à necessidade de que o exequente aponte, em sede de execução fiscal, o CPC do executado, conforme exige o art. 282 do CPC/73 (ao qual corresponde o art. 319 do CPC/2015).
A Corte considerou, porém, que a Lei 6.830/80 deve ser tomada como norma especial em relação ao Código de Processo Civil. De fato, o art. 6º da Lei 6.830/80 (que regula os processos de execução fiscal) se limita a exigir que a inicial indique o juiz a quem o processo se dirige, o pedido e o requerimento de citação.
O STJ trouxe à tona a citação de alguns processualistas, para dizer que, “A respeito do tema, Claudio Carneiro B. P. Coelho esclarece que ‘O artigo 6º [da Lei 6.830/80] deve prevalecer sobre a regra contida no artigo 282 do CPC. Isto porque a LEF é uma lei especial que deve prevalecer sobre a lei geral (lex specialis derrogat lex generalis)’ (A Lei de Execução Fiscal (6.830/80) comentada por artigos. in: Informativo Advocacia Dinâmica, Boletim Semanal n. 01, jan/2007, p. 446).”
Na mesma linha, “José da Silva Pacheco, ao comentar o citado dispositivo da Lei 6.830/80, afirma que "O art. 6º constitui exceção à regra geral do art. 282 do CPC. A petição inicial é simplificada, tendo como elementos indispensáveis apenas o pedido, a menção ao juízo e o requerimento para a citação. (Comentários à Lei de Execução Fiscal: (Lei 6.830, de 22-9-1980). 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 126).”
Esse mesmo argumento foi usado para afastar a incidência do art. 15 da Lei 11.419/2006, o qual exige que as petições iniciais indiquem o CPF e/ou o CNPJ – embora sem esclarecer expressamente, presume-se que o autor deve indicar tanto os seus dados como os dados dos réus do processo. Mas o STJ considerou, pelo mesmo fundamento da especialidade, que a Lei 6.830/80 deve prevalecer sobre a Lei 11.419/2006.
De resto, o entendimento, embora criado a partir do CPC de 1973, surge aplicável em relação ao CPC de 2015, cujo art. 319, II, faz a exigência expressa de que o autor indique na petição inicial o CPF (ou o CNPJ) das partes, determinação que, porém, não precisa ser seguida nas execuções fiscais.
Dispositivos
Lei 6.830/80
Art. 6º - A petição inicial indicará apenas:
I - o Juiz a quem é dirigida;
II - o pedido; e
III - o requerimento para a citação.
§ 1º - A petição inicial será instruída com a Certidão da Dívida Ativa, que dela fará parte integrante, como se estivesse transcrita.
§ 2º - A petição inicial e a Certidão de Dívida Ativa poderão constituir um único documento, preparado inclusive por processo eletrônico.
§ 3º - A produção de provas pela Fazenda Pública independe de requerimento na petição inicial.
§ 4º - O valor da causa será o da dívida constante da certidão, com os encargos legais.
Código de Processo Civil de 2015
Art. 319. A petição inicial indicará:
I - o juízo a que é dirigida;
II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu;
III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;
IV - o pedido com as suas especificações;
V - o valor da causa;
VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;
VII - a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DOS REPETITIVOS (ART. 543-C DO CPC). DISSÍDIO PRETORIANO NÃO CARACTERIZADO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL DECLARATÓRIA NÃO EVIDENCIADA. INCOMPETÊNCIA DO STJ PARA REVISÃO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL NA VIA RECURSAL ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. EXIGÊNCIA DE INDICAÇÃO DO CPF/RG DO EXECUTADO NA PETIÇÃO INICIAL. DESNECESSIDADE. REQUISITOS NÃO PREVISTOS NA LEI Nº 6.830/80 (LEI DE EXECUÇÃO FISCAL). PREVISÃO EXISTENTE NA LEI Nº 11.419/06 (LEI DE INFORMATIZAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL). PREVALÊNCIA DA LEI ESPECIAL (LEI Nº 6.830/80). NOME E ENDEREÇO DO EXECUTADO SUFICIENTES À REALIZAÇÃO DO ATO CITATÓRIO. FIXAÇÃO DA TESE, EM REPETITIVO, DA DISPENSABILIDADE DA INDICAÇÃO DO CPF E/OU RG DO DEVEDOR (PESSOA FÍSICA) NAS AÇÕES DE EXECUÇÃO FISCAL. RECURSO DO FISCO PROVIDO.
1. Conhece-se do especial apenas pelo autorizativo da letra "a", vez que a invocada divergência jurisprudencial não restou evidenciada.
Não se presta o especial, ademais, para revisar alegado maltrato a regramento constitucional.
2. O tribunal de origem prestou a jurisdição de forma completa, não se descortinando, por isso, a aventada ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Nas instâncias ordinárias, decidiu-se pelo indeferimento da petição inicial de ação de execução fiscal movida pelo município de Manaus-AM, sob o argumento da falta de indicação, pelo exequente, do número do CPF da pessoa física executada.
4. Tal exigência, contudo, não se acha prevista na legislação especial que rege o procedimento executivo fiscal, a saber, a Lei nº 6.830/80, cujo art. 6º, ao elencar os requisitos da petição inicial, não prevê o fornecimento do CPF da parte executada, providência, diga-se, também não contemplada no art. 282, II, do CPC.
5. A previsão de que a petição inicial de qualquer ação judicial contenha o CPF ou o CNPJ do réu encontra suporte, unicamente, no art. 15 da Lei nº 11.419/06, que disciplina a informatização dos processos judiciais, cuidando-se, nessa perspectiva, de norma de caráter geral.
6. Portanto, e sem que se esteja a questionar a utilidade da indicação do CPF da pessoa física executada já na peça inaugural, certo é que não se pode cogitar de seu indeferimento com base em exigência não consignada na legislação específica (Lei nº 6.830/80-LEF), tanto mais quando o nome e endereço da parte executada, trazidos com a inicial, possibilitem, em tese, a efetivação do ato citatório.
7. Em caso assemelhado, também decidido em sede de repetitivo, a 1ª Seção do STJ concluiu por afastar a exigência de que a exordial da execução se fizesse acompanhar, também, da planilha discriminativa de cálculos, isto porque "A petição inicial da execução fiscal apresenta seus requisitos essenciais próprios e especiais que não podem ser exacerbados a pretexto da aplicação do Código de Processo Civil, o qual, por conviver com a lex specialis, somente se aplica subsidiariamente" (REsp 1.138.202/ES, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 01/02/2010).
8. Outrossim, a existência de atos normativos do Conselho Nacional de Justiça (Resoluções 46/07 e 121/10) e de verbete do Tribunal local (Súmula 02/TJAM), prevendo a indicação do CPF/CNPJ dos litigantes já no pórtico das ações em geral, não se prestam, só por si, a legitimar o indeferimento da petição inicial em ações de execução fiscal, sem prejuízo da vinda desses dados cadastrais em momento posterior.
9. Tese fixada para os fins do art. 543-C do CPC: "Em ações de execução fiscal, descabe indeferir a petição inicial sob o argumento da falta de indicação do CPF e/ou RG da parte executada (pessoa física), visto tratar-se de requisito não previsto no art. 6º da Lei nº 6.830/80 (LEF), cujo diploma, por sua especialidade, ostenta primazia sobre a legislação de cunho geral, como ocorre frente à exigência contida no art. 15 da Lei nº 11.419/06".
10. Recurso especial do fisco municipal parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido para, no caso concreto, determinar-se o regular prosseguimento da execução fiscal.
(REsp n. 1.450.819/AM, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, julgado em 12/11/2014, DJe de 12/12/2014.)