Tese
Na ação civil pública por ato de improbidade administrativa é possível o prosseguimento da demanda para pleitear o ressarcimento do dano ao erário, ainda que sejam declaradas prescritas as demais sanções previstas no art. 12 da Lei 8.429/1992.
Hipótese Fática
O juízo de primeiro grau reconheceu a prescrição da aplicação das sanções da improbidade administrativa relativamente a um dos réus do processo, em favor de quem o feito foi extinto (o processo prosseguiu quanto aos demais réus, que não tiveram a prescrição reconhecida).
Interposto agravo de instrumento pelo MPF, o TRF1 deu provimento parcial ao recurso, apenas para o fim de afirmar que o ressarcimento ao erário é imprescritível. A Corte Regional afirmou, no mais, que, reconhecida a prescrição das sanções da improbidade, a pretensão de ressarcimento de dano não poderia prosseguir nos próprios autos da ação de improbidade, devendo ser ajuizada uma ação autônoma para esse fim.
O caso chegou ao STJ por de meio recurso especial (julgado de acordo com a sistemática dos recursos repetitivos), onde o MPF argumentou que o art. 5º da Lei 8.429/92 autoriza o ressarcimento do dano dentro da própria ação de improbidade.
Fundamentos
A controvérsia decidida pelo STJ dizia respeito à possiblidade de se prosseguir com a ação de improbidade apenas para o fim de se promover o ressarcimento do dano causado, mesmo na hipótese de reconhecimento da prescrição das demais sanções previstas na Lei 8.429/92.
O STJ, então, começou por lembrar que a L. 8.429/92 admite a cumulação das típicas sanções da improbidade (perda de bens, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, multa e proibição de contratar com o Poder Público e de receber incentivos) com o pedido de ressarcimento ao erário. Por outro lado, se a aplicação das sanções se submete à prescrição, o ressarcimento ao erário é imprescritível, conforme revela o art. 37, § 4º, da Constituição, e conforme já decidiu o STF em julgamento submetido à repercussão geral (RE 852.475, Tema 897).
O STJ esclareceu, nessa linha, que a prescrição incide sobre as punições previstas no art. 12 da Lei 8.429/92, mas não sobre o fato que dá ensejo a essas punições nem sobre a pretensão de ressarcimento. O ponto principal a ser definido reside, portanto, na própria causa de pedir (fatos) exposta da ação de improbidade. Se o fato a ser apurado/provado levar tanto à aplicação das sanções do art. 12 da L. 8.429/92 como à necessidade de se ressarcir o dano, o reconhecimento da prescrição relativamente às sanções não impede o prosseguimento da demanda para o julgamento do pedido de reparação.
Se não bastasse, o STJ reproduziu o mesmo entendimento do STF (manifestado nesse RE 852.475) no sentido de que, “estando prescritas as demais sanções do art. 12 da Lei 8.429/92, seja no prosseguimento da ação de improbidade administrativa, seja em ação autônoma para obter o ressarcimento do dano ao erário, deverá ser provada e declarada judicialmente a prática de ato de improbidade administrativa, para que se afaste eventual responsabilidade objetiva.”
Vale dizer, ainda que estejam prescritas as sanções da improbidade administrativa, a demanda eventualmente ajuizada pode prosseguir para que seja obtida a reparação do dano, mas o fato que caracteriza essa improbidade deve ter sido cometido por ato doloso, de acordo com a nova sistemática introduzida pela Lei 14.230/2021, que não mais admite a existência de ato culposo de improbidade administrativa.
Dispositivos - Súmulas
Lei 8.429/92
Art. 5° Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano.
Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
I - na hipótese do art. 9º desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 14 (catorze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 14 (catorze) anos; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
II - na hipótese do art. 10 desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12 (doze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 (doze) anos; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
III - na hipótese do art. 11 desta Lei, pagamento de multa civil de até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 4 (quatro) anos; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
Ementa
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA DE NATUREZA REPETITIVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/73. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS, NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INCONFORMISMO. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO QUANTO AO PEDIDO DE IMPOSIÇÃO DE SANÇÕES PREVISTAS NO ART. 12 DA LEI 8.429/92. PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO QUANTO À PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO DOS DANOS CAUSADOS AO ERÁRIO. POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO STJ. TESE FIRMADA SOB O RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. RECURSO ESPECIAL, INTERPOSTO PELA UNIÃO, CONHECIDO E PROVIDO. RECURSO ESPECIAL, INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
I. Recursos Especiais interpostos contra acórdão publicado na vigência do CPC/73, aplicando-se, no caso, o Enunciado Administrativo 2/2016, do STJ, aprovado na sessão plenária de 09/03/2016 ("Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça").
II. Na origem, a União ajuizou ação postulando, com fundamento nos arts. 9º, II e XI, 10, V, VIII, IX e XII, e 11, I, da Lei 8.429/92, a condenação do ex-Prefeito do Município de Senador Guiomard, do ex-Presidente da Comissão de Licitação e de dois membros da referida Comissão pela prática de atos de improbidade administrativa, consubstanciados em irregularidades na execução do Convênio 851/2001 e em procedimento licitatório para aquisição de unidade móvel de saúde. Após processado o feito e realizada a instrução, a sentença reconheceu a prescrição da ação e julgou extinto o processo, com resolução do mérito, nos termos do art. 269, IV, do CPC/73, concluindo que o ressarcimento ao erário deveria ser postulado em ação autônoma. Interpostas Apelações e Remessa Necessária, o Tribunal de origem não conheceu da última e negou provimento aos apelos, ao fundamento de que, "apesar de o ressarcimento por dano patrimonial oriundo de ato de improbidade, nos termos do art. 37, § 5°, da Constituição, ser imprescritível, tal pretensão deve ser buscada em ação autônoma".
III. A controvérsia ora em apreciação, submetida ao rito dos recursos especiais representativos de controvérsia, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, cinge-se à análise da "possibilidade de se promover o ressarcimento do dano ao erário nos autos da ação civil pública por ato de improbidade administrativa, ainda que se declare a prescrição para as demais punições previstas na Lei n. 8.429/92, tendo em vista o caráter imprescritível daquela pretensão específica".
IV. Não há falar, na hipótese, em violação ao art. 535 do CPC/73, porquanto a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, de vez que os votos condutores do acórdão recorrido e do acórdão proferido em sede de Embargos de Declaração apreciaram fundamentadamente, de modo coerente e completo, as questões necessárias à solução da controvérsia, dando-lhes, contudo, solução jurídica diversa da pretendida.
V. Segundo entendimento desta Corte, "não há violação do art. 535, II, do CPC/73 quando a Corte de origem utiliza-se de fundamentação suficiente para dirimir o litígio, ainda que não tenha feito expressa menção a todos os dispositivos legais suscitados pelas partes" (STJ, REsp 1.512.361/BA, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 22/09/2017).
VI. Nos termos do art. 5º da Lei 8.429/92, "ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano". Tal determinação é ressaltada nos incisos I, II e III do art. 12 da Lei 8.429/92, de modo que o ressarcimento integral do dano, quando houver, sempre será imposto juntamente com alguma ou algumas das demais sanções previstas para os atos ímprobos. Assim, por expressa determinação da Lei 8.429/92, é lícito ao autor da ação cumular o pedido de ressarcimento integral dos danos causados ao erário com o de aplicação das demais sanções previstas no seu art. 12, pela prática de ato de improbidade administrativa.
VII. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento no sentido de que "se mostra lícita a cumulação de pedidos de natureza condenatória, declaratória e constitutiva nesta ação, quando sustentada nas disposições da Lei nº 8.429/1992" (STJ, REsp 1.660.381/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 26/11/2018). Nesse sentido: STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 437.764/SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 12/03/2018.
VIII. Partindo de tais premissas, o Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência no sentido de que "a declaração da prescrição das sanções aplicáveis aos atos de improbidade administrativa não impede o prosseguimento da demanda quanto à pretensão de ressarcimento dos danos causados ao erário" (STJ, REsp 1.331.203/DF, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA TURMA, DJe de 11/04/2013).
Em igual sentido: STJ, AgInt no REsp 1.518.310/SE, Rel. p/ acórdão Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 01/07/2020; REsp 1.732.285/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 21/11/2018; AgRg no AREsp 160.306/SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 16/04/2015; REsp 1.289.609/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 02/02/2015; AgRg no REsp 1.427.640/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 27/06/2014; REsp 1.304.930/AM, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/08/2013; AgRg no REsp 1.287.471/PA, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe de 04/02/2013; EREsp 1.218.202/MG, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 28/09/2012; REsp 1.089.492/RO, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJe de 18/11/2010; REsp 928.725/DF, Rel. p/ acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJe de 05/08/2009.
IX. Tese jurídica firmada: "Na ação civil pública por ato de improbidade administrativa é possível o prosseguimento da demanda para pleitear o ressarcimento do dano ao erário, ainda que sejam declaradas prescritas as demais sanções previstas no art. 12 da Lei 8.429/92."
X. Recurso Especial, interposto pela União, conhecido e provido.
Recurso Especial, interposto pelo Ministério Público Federal, a fls. 888/904e, conhecido e parcialmente provido. Acórdão recorrido reformado, para determinar o prosseguimento da demanda quanto ao pedido de ressarcimento dos danos causados ao erário.
XI. Não conhecimento do segundo Recurso Especial, interposto pelo Ministério Público Federal, a fls. 908/917e, em face do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa.
XII. Recursos julgados sob a sistemática dos recursos especiais representativos de controvérsia (art. 1.036 e seguintes do CPC/2005 e art. 256-N e seguintes do RISTJ).
(REsp 1899455/AC, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/09/2021, DJe 13/10/2021)