Recurso Repetitivo, Tema 706. Dívida de locação. Penhora do bem de família do fiador. Admissibilidade. STJ, Segunda Seção, REsp 1.363.368.
Por Flávio Borges
17 de janeiro de 2023
Processo civil
Cumprimento de sentença e execução
Civil
Contratos

Tese

É legítima a penhora de apontado bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, ante o que dispõe o art. 3º, VII, da Lei 8.009/1990.

Hipótese fática

O Espólio de Afonso Ramão Rodrigues ingressou com ação de conhecimento para cobrar pelos créditos de aluguel de imóvel, para rescindir o contrato de locação que haviam estabelecido e para obter o despejo dos locatários. Os pedidos foram julgados procedentes e, com o trânsito em julgado do feito, partiu-se para o cumprimento de sentença, fase na qual o imóvel (bem de família) do fiador do contrato foi penhorado (com fundamento no art. 3º, VII, da Lei 8.009/90).

Os executados/fiadores, então, interpuseram uma exceção de pré-executividade, que foi conhecida em parte, com a rejeição do pedido de afastamento da penhora sobre o bem de família.

O TJ/MS acolheu parcialmente o agravo de instrumento interposto e afastou a penhora sobre o bem de família.

Seguiu-se, por isso, a interposição de recurso especial pelos autores da ação, com o argumento de que a legislação prevê algumas exceções à impenhorabilidade do bem família, situando-se entre elas a que estabelece a penhora do bem imóvel do fiador do contrato de locação (art. 3º, VII, da Lei 8.009/90).

O recurso especial foi submetido à sistemática dos recursos repetitivos e julgado pela Segunda Seção do STJ.

Fundamentos

A controvérsia definida pelo STJ dizia respeito à possibilidade de se penhorar o único bem de família do fiador do contrato de locação de imóvel, diante da exceção prevista no art. 3º, VII, da Lei 8.009.90, e diante de uma possível violação ao direito de moradia.

A Corte, então, começou por lembrar que o direito à moradia encontra previsão no art. 6º e no art. 23, IX, da Constituição Federal, aquele para colocá-lo no rol dos chamados direitos sociais, e este para afirmar que cabe aos entes da federação “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”.

Os tratados internacionais de que o Brasil é signatário também preveem o direito à moradia, conforme o faz o Pacto Internacional de Direitos Econômicos e Sociais e Culturais – Pidesc.

Depois, o STJ pontuou que a regra é a impenhorabilidade do bem de família, direito subjetivo inserido no art. 1º da Lei 8.009/90. A Corte possui diversos precedentes em torno do tema, nos quais reconheceu a impenhorabilidade do bem de família:

- habitado por pessoa solteira, separada ou viúva (Súmula 364 do STJ);
- locado a terceiro quando os aluguéis eram destinados à residência da entidade familiar (REsp 1.005.546/SP);
- objeto de renúncia da garantia, que, por isso, não foi admitida (REsp 507.686/SP).

Mas o art. 3º dessa mesma Lei 8.009/90 prevê exceções, entre as quais a penhora do imóvel (bem de família) do fiador de contrato de locação.

O STJ admitiu a validade da exceção, ainda que as exceções devam ser objeto de interpretação restritiva.

A Corte, aliás, valendo-se de precedente do STF (RE 407.688) em que se reconheceu a constitucionalidade desse art. 3º, VII, da Lei 8.009/90, consignou que a possibilidade de penhora do imóvel do fiador, previsão legitimamente estabelecida pelo legislador, existe precisamente para permitir o mercado da locação, sem o que os contratos poderiam ficar sujeitos a garantias mais rígidas e prejudiciais às partes.

Dito de outro modo, a admissibilidade de penhora do imóvel (bem de família) do fiador é um dos fatores que deixa o preço do aluguel em patamares menores do que aquele que seria praticado se estivesse em jogo uma outra espécie de garantia (menos eficiente), o que, no final das contas, propicia o estabelecimento de inúmeros contratos de locação e, por consequência, faz valer o próprio exercício do direito à moradia.

O STJ ainda citou trecho da decisão emitida pelo STF, para mencionar que:

“Ambos os direitos [moradia e liberdade de contratação] merecem igual tutela em nossa Constituição, de modo que é tarefa complexa estabelecer os parâmetros e limites de sua aplicação, em especial neste tema da penhorabilidade do bem de família do fiador nos contratos de locação.
[...].
A norma é muito clara: o fiador que oferece o único imóvel de sua propriedade para garantir contrato de locação de terceiro pode ter o bem penhorado em caso de descumprimento da obrigação principal pelo locatário. Sustenta-se que essa penhora seria contrária ao disposto na Constituição federal, sobretudo após a Emenda Constitucional 26, que incluiu o direito à moradia no rol dos direitos sociais descritos no art. 6º da Constituição.
Entendo, porém, que esse não deve ser o desenlace da questão. Como todos sabemos, os direitos fundamentais não têm caráter absoluto. Em determinadas situações, nada impede que um direito fundamental ceda o passo em prol da afirmação de outro, também
em jogo numa relação jurídica concreta.
É precisamente o que está em jogo no presente caso. A decisão de prestar fiança, como já disse, é expressão da liberdade, do direito à livre contratação. Ao fazer uso dessa franquia constitucional, o cidadão, por livre e espontânea vontade, põe em risco a incolumidade de um direito fundamental social que lhe é assegurado na Constituição. E o faz, repito, por vontade própria.”

O precedente, de resto, deu origem à Súmula 549 do STJ, de acordo com a qual “É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação.”

Dispositivos

Lei 8.009/90
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; (Revogado pela Lei Complementar nº 150, de 2015)
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III -- pelo credor de pensão alimentícia;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida; (Redação dada pela Lei nº 13.144 de 2015)
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação; e (Redação dada pela Medida Provisória nº 871, de 2019)
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)
VIII - para cobrança de crédito constituído pela Procuradoria-Geral Federal em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial recebido indevidamente por dolo, fraude ou coação, inclusive por terceiro que sabia ou deveria saber da origem ilícita dos recursos. (Incluído pela Medida Provisória nº 871, de 2019)
 
STJ, Súmula 549
É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação.

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Ementa

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. CONDOMÍNIO. DESPESAS COMUNS. AÇÃO DE COBRANÇA. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA NÃO LEVADO A REGISTRO. LEGITIMIDADE PASSIVA. PROMITENTE VENDEDOR OU PROMISSÁRIO COMPRADOR. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. IMISSÃO NA POSSE. CIÊNCIA INEQUÍVOCA.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC, firmam-se as seguintes teses:
a) O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de compra e venda, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da transação.
b) Havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto.
c) Se ficar comprovado: (i) que o promissário comprador se imitira na posse; e (ii) o condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador.
2. No caso concreto, recurso especial não provido.
(REsp n. 1.345.331/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 8/4/2015, DJe de 20/4/2015.)

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