Entendimento
O devedor solidário responde pelo pagamento da cláusula penal compensatória, ainda que não incorra em culpa.
Hipótese fática
A Petrobras estabeleceu com duas empresas um contrato de afretamento. Uma das empresas deveria cumprir a obrigação personalíssima de entregar a embarcação, mas as duas companhias responderiam solidariamente pelas obrigações pecuniárias decorrentes do contrato (o contrato previa uma cláusula penal compensatória).
Diante do descumprimento contratual, a Petrobras ingressou com uma ação de cobrança da cláusula penal compensatória (em torno de 60 milhões de dólares quando do ajuizamento da ação) apenas contra a empresa que se limitou ao dever solidário de pagar pelas obrigações pecuniárias.
A sentença julgou procedente o pedido, o que foi confirmado pelo TJ/RJ.
O caso foi então ao STJ, por meio de recurso especial em que a empresa ré sustentou que não podia responder por perdas e danos a que não deu causa (na medida em que a obrigação de entregar a embarcação era da outra contratante, em caráter personalíssimo).
Fundamentos
Afora a alegação de violação a outros dispositivos do CC e do CPC, o ponto que interessa ao entendimento do caso diz respeito ao alcance do art. 279 do CC, segundo o qual, “Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde o culpado.”
De acordo com a análise da prova feita pelas instâncias recorridas (e que vincula o julgamento do recurso especial, onde o STJ não pode revolver a prova, mas, quando muito, dar uma conclusão jurídica diversa), a solidariedade estava prevista no contrato relativamente às prestações pecuniárias.
O ponto, então, era definir a consequência jurídica dessa solidariedade, na medida em que a obrigação de entregar a embarcação era personalíssima e recaía apenas sobre a outra contratante.
Mas o STJ esclareceu que a função da cláusula penal compensatória é precisamente de prefixar os prejuízos decorrentes do descumprimento do contrato, hipótese em que não se faz necessário calcular exatamente quais foram as perdas e danos. A cláusula penal compensatória se traduz em um valor considerado suficiente pelas partes para indenizar o eventual descumprimento do contrato (se que a haja a necessidade de se fazer uma liquidação concreta para se chegar ao valor das perdas e danos). A cláusula penal compensatória tem, portanto, um caráter nitidamente pecuniário e, por isso, recai sobre a devedora solidária (que contratualmente se obrigou a isso).
Dito de outro modo, o caso se resolve pela primeira parte do art. 279 do Código Civil (impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente), e não pela sua parte final (mas pelas perdas e danos só responde o culpado), uma vez que o objeto da ação não era cobrar propriamente as perdas e danos, mas a cláusula penal compensatória.
Dispositivos
Código Civil
Art. 279. Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde o culpado.
Ementa
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. EMPRESARIAL. CONTRATO DE AFRETAMENTO. INADIMPLEMENTO ABSOLUTO. CLÁUSULA PENAL COMPENSATÓRIA. SOLIDARIEDADE. RECONHECIMENTO. REDUÇÃO. MULTA. EXCESSIVIDADE NÃO DEMONSTRADA. DECISÃO SURPRESA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Cinge-se a controvérsia a definir se (i) houve falha na prestação jurisdicional, (ii) constitui obrigação solidária o pagamento da cláusula penal compensatória, (iii) houve decisão surpresa e (iv) é o caso de redução da multa.
3. Não há falar em falha na prestação jurisdicional se o Tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível, ainda que em desacordo com a expectativa da parte.
4. Na hipótese, a solidariedade decorre da vontade das partes externada no contrato firmado, tendo a recorrente se obrigado ao pagamento das obrigações pecuniárias decorrentes do ajuste independentemente de causa, origem ou natureza jurídica.
5. A cláusula penal compensatória tem como objetivo prefixar os prejuízos decorrentes do descumprimento do contrato, o que denota sua natureza de obrigação pecuniária.
6. A falta de prequestionamento da matéria suscitada no recurso especial impede seu conhecimento, a teor da Súmula nº 282/STF.
7. No caso, a cláusula penal está inserida em contrato empresarial firmado entre empresas de grande porte, tendo como objeto valores milionários, inexistindo assimetria entre os contratantes que justifique a intervenção em seus termos, devendo prevalecer a autonomia da vontade e a força obrigatória dos contratos.
8. Não demonstrada a existência de causa para sua redução, a cláusula penal deve ser mantida no percentual estabelecido no contrato.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.
(REsp 1867551/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/10/2021, DJe 13/10/2021)