Entendimento
A citação na ação de cobrança ajuizada pelo credor-cessionário é suficiente para cumprir a exigência de cientificar o devedor acerca da transferência do crédito.
Hipótese fática
A parte cessionária de um crédito (ou seja, o sujeito que recebeu a cessão de um crédito e que, portanto, tem legitimidade para cobrá-lo em juízo) de empréstimo compulsório de energia elétrica interpôs embargos de divergência contra um acórdão da Segunda Turma do STJ, o qual entendeu que a cessão não tinha eficácia porque o devedor não havia sido dela notificado (exigência feita pelo art. 290 do Código Civil).
A parte embargante apontou uma divergência desse julgado com um acórdão da Terceira Turma do STJ, o qual concluiu que a notificação do devedor pode ser feita por meio da citação na própria ação de cobrança do crédito.
Daí os embargos de divergência, julgados pela Corte Especial do STJ, para resolver se a notificação do devedor a respeito da cessão do crédito precisa ser feita previamente ao ajuizamento da ação de cobrança ou se a citação processual serve como notificação dessa cessão do crédito.
Fundamentos
A Corte Especial do STJ começou por pontuar que, embora o caso julgado se refira à cessão de um crédito oriundo de empréstimo compulsório de energia elétrica, a conclusão a que se chegou se aplica às cessões de crédito em geral, tanto mais se o próprio Código Civil foi levado em conta para a resolução do problema.
Na origem, um dado credor possuía um crédito de empréstimo compulsório de energia elétrica a receber da Eletrobrás (devedora). Mas o credor cedeu (chamado de cedente) o seu crédito a um terceiro (chamado de cessionário). Nessas hipóteses, para que a cessão do crédito seja eficaz em relação ao devedor, é necessário que ele seja notificado.
A Corte Especial considerou, porém, que essa notificação não precisa ser feita previamente ao ajuizamento da ação judicial. A rigor, o art. 290 do CC, que faz a exigência da notificação, revela que se tem por notificado “o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.” A norma não fala expressamente em notificação prévia ao ajuizamento da ação, de modo que a citação (feita no próprio processo de cobrança) atende à exigência, sobretudo se considerada a segurança com que esse ato processual é praticado.
Demais disso, o próprio STJ considera que a ausência da notificação não torna a dívida inexigível, o que reforça que a citação pode fazer as vezes da notificação da cessão ao devedor (REsp 1.882.117).
Por isso, “se a ausência de comunicação da cessão do crédito não afasta a exigibilidade da dívida, a questão está melhor decidida pelo acórdão paradigma, ao considerar suficiente a citação do devedor na ação de cobrança ajuizada pelo credor-cessionário para atender ao comando do art. 290 do Código Civil, que é a de ‘dar ciência’ ao devedor do negócio, por meio de escrito público ou particular.”
Dispositivos
Código Civil
Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação.
Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.
Ementa
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ELETROBRÁS. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO. CESSÃO DE CRÉDITO. NECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR. AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE COBRANÇA PELO CREDOR-CESSIONÁRIO. CITAÇÃO. ART. 290 DO CÓDIGO CIVIL. REQUISITO CUMPRIDO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS.
1. Por ocasião do julgamento do REsp n.º 1.119.558/SC, PRIMEIRA SEÇÃO, em 09/05/2012, DJe de 01/08/2012, sob a sistemática do art. 543-C do CPC, ficou consignado que "os créditos decorrentes da obrigação de devolução do empréstimo compulsório, incidente sobre o consumo de energia elétrica, podem ser cedidos a terceiros, uma vez inexistente impedimento legal expresso à transferência ou à cessão dos aludidos créditos, nada inibindo a incidência das normas de direito privado à espécie, notadamente do art. 286 do Código Civil".
E, outrossim, que "o art. 286 do Código Civil autoriza a cessão de crédito, condicionada à notificação do devedor".
2. A ausência de notificação do devedor sobre a cessão do crédito não torna a dívida inexigível, ressalvada a hipótese em que tenha havido a quitação ao credor originário. Precedentes desta Corte Superior.
3. Se a falta de comunicação da cessão do crédito não afasta a exigibilidade da dívida, basta a citação do devedor na ação de cobrança ajuizada pelo credor-cessionário para atender ao comando do art. 290 do Código Civil, que é a de "dar ciência" ao devedor do negócio, por meio de "escrito público ou particular."
4. A partir da citação, o devedor toma ciência inequívoca da cessão de crédito e, por conseguinte, a quem deve pagar. Assim, a citação revela-se suficiente para cumprir a exigência de cientificar o devedor da transferência do crédito.
5. Embargos de divergência acolhidos para, reformando o acórdão embargado e a decisão monocrática respectiva, CONHECER DO AGRAVO E DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL, a fim de cassar o acórdão proferido no agravo de instrumento e determinar ao juízo de primeiro grau que dê prosseguimento à ação ordinária n.º 5008197-07.2010.4.04.7000.
(EAREsp 1125139/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, CORTE ESPECIAL, julgado em 06/10/2021, DJe 17/12/2021)