Tese
A Justiça Comum é competente para julgar ação ajuizada por servidor celetista contra o Poder Público, em que se pleiteia parcela de natureza administrativa, modulando-se os efeitos da decisão para manter na Justiça do Trabalho, até o trânsito em julgado e correspondente execução, os processos em que houver sido proferida sentença de mérito até a data de publicação da presente ata de julgamento.
Hipótese fática
O Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – HCFMUSP ingressou com recurso extraordinário contra acórdão proferido pela 4ª Turma Recursal Cível e Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, que assegurou a empregados públicos estaduais o pagamento de adicional por tempo de serviço (quinquênio).
O recorrente argumentou que o fato de os autores do processo serem celetistas atrairia a competência da Justiça do Trabalho (art. 114 da Constituição), e não a da Justiça Comum, ainda que o pedido se refira a uma verba de natureza administrativa.
Fundamentos
A controvérsia definida pelo STF dizia respeito à competência para o julgamento de uma ação ajuizada por servidores celetistas, que pleiteiam uma vantagem remuneratória de natureza administrativa.
O primeiro ponto tratado pelo Supremo envolveu a possibilidade de haver contratações de servidores públicos pelo regime celetista (e não pelo regime de Direito Administrativo ou estatutário).
O STF elencou os casos em que essa contratação celetista se faz viável.
O primeiro exemplo trabalha com a polêmica em torno da Emenda Constitucional 19/98.
A redação original do art. 39 da Constituição exigia que os servidores públicos fossem contratados com base em um regime jurídico único, que é um regime de Direito Administrativo (chamado de estatutário).
Veio a EC 19/98 e eliminou desse dispositivo a expressão “regime jurídico único”.
Mas o STF entendeu que, nesse ponto, a EC 19/98 tinha a aparência de inconstitucionalidade, conforme a medida cautelar deferida na ADI 2.135.
Havia, porém, um hiato. O que fazer com os servidores contratados no regime celetista entre a vigência da EC 19/98 e a suspensão da redação atribuída ao art. 39 da CF (na medida cautelar da ADI 2.135)? O STF entendeu que essas contratações eram válidas, com a manutenção do regime celetista.
Existem outras hipóteses de contratação de servidores pelo regime da CLT. O STF entendeu na ADI 5.615 que a expressão “regime jurídico único” constante do art. 39 da Constituição Federal “não pretendeu impor, necessariamente, a adoção do regime estatutário. De modo que “compete a cada Ente federativo estipular, por meio de lei em sentido estrito, o regime jurídico de seus servidores, escolhendo entre o regime estatutário ou o regime celetista, sendo indispensável a edição de lei específica com essa finalidade.”
Há outros casos: os Conselhos Profissionais também podem contratar os seus funcionários pelo regime da CLT (ADC 36, ADI 5.367 e ADPF 367).
E, por fim, a hipótese mais conhecida: os empregados públicos admitidos pelas entidades da Administração Pública indireta com personalidade jurídica de direito privado se submetem, necessariamente, ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.
Então, resumindo as situações, é possível que o Poder Público contrate servidores públicos pelo regime da CLT:
- no período que vai entre a EC 19/98 e a suspensão da eficácia do art. 39 da CF (na redação dada por essa EC 19/98);
- no caso dos entes federativos que prevejam, nas respectivas leis, essa espécie de contratação;
- na hipótese dos Conselhos Profissionais; e
- no caso dos entes da Administração Pública Indireta com personalidade de direito privado (empresas públicas e sociedades de economia mista).
Uma coisa, porém, é fixar o regime jurídico da contratação; outra é definir de quem será a competência para julgar os conflitos que surjam.
A esse respeito, o STF também já possui uma boa sistematização de precedentes.
A Corte definiu, por exemplo, que a legalidade da greve de servidores públicos celetistas deve ser definida pela Justiça Comum, e não pela Justiça do Trabalho.
A tese foi objeto do Tema 544 da repercussão geral, de acordo com o qual “A justiça comum, federal ou estadual, é competente para julgar a abusividade de greve de servidores públicos celetistas da Administração pública direta, autarquias e fundações públicas.”
Da mesma forma, o empregado público dos Correios (sujeito a um regime celetista), quando pleiteia a sua reintegração, deve ter a demanda ajuizada pela Justiça Comum (e não pela Justiça do Trabalho), consoante o Tema 606 da repercussão geral:
“A natureza do ato de demissão de empregado público é constitucional-administrativa e não trabalhista, o que atrai a competência da Justiça comum para julgar a questão. A concessão de aposentadoria aos empregados públicos inviabiliza a permanência no emprego, nos termos do art. 37, § 14, da CRFB, salvo para as aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/19, nos termos do que dispõe seu art. 6º.”
Por fim, o STF reconheceu a competência da Justiça Comum para julgar controvérsias relacionadas à fase pré-contratual de seleção e de admissão de pessoal e eventual nulidade do certame (concurso público) em face da Administração Pública direta ou indireta, ainda que a contratação vá se dar no regime celetista. De acordo com o STF, “o critério a ser levado em consideração para definição da competência jurisdicional é o da natureza da matéria discutida.”
Essa mesma lógica, portanto, foi levada em conta na resolução do problema desse caso concreto: competência para julgar ação ajuizada por servidor celetista, mas que pede verba de natureza administrativa.
Por isso, embora o servidor seja regido pela CLT, a causa de pedir e o pedido formulados na ação não se fundamentam na legislação trabalhista, mas em norma estatutária (de Direito Administrativo), cuja aplicação não pertence à competência da Justiça do Trabalho.
Prevalece, portanto, a natureza do pedido formulado, nesse raciocínio para se definir a justiça competente.
O STF, de resto, fez uma modulação do julgado, “para manter na Justiça do Trabalho, até o trânsito em julgado e correspondente execução, os processos em que houver sido proferida sentença de mérito até a data de publicação da presente ata de julgamento.”
Dispositivos
Constituição Federal
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide ADIN 3392) (Vide ADIN 3432)
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
(...).