Repercussão Geral, Tema 1143. Servidor público celetista. Ação judicial para pleitear vantagem administrativa. Competência da Justiça Comum. STF, RE 1.288.440, julgado em 30/06/2023, Informativo 1.102.
Por Flávio Borges
21 de agosto de 2023
Processo civil
Competência

Tese

A Justiça Comum é competente para julgar ação ajuizada por servidor celetista contra o Poder Público, em que se pleiteia parcela de natureza administrativa, modulando-se os efeitos da decisão para manter na Justiça do Trabalho, até o trânsito em julgado e correspondente execução, os processos em que houver sido proferida sentença de mérito até a data de publicação da presente ata de julgamento.

Hipótese fática

O Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – HCFMUSP ingressou com recurso extraordinário contra acórdão proferido pela 4ª Turma Recursal Cível e Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, que assegurou a empregados públicos estaduais o pagamento de adicional por tempo de serviço (quinquênio).

O recorrente argumentou que o fato de os autores do processo serem celetistas atrairia a competência da Justiça do Trabalho (art. 114 da Constituição), e não a da Justiça Comum, ainda que o pedido se refira a uma verba de natureza administrativa.  

Fundamentos

A controvérsia definida pelo STF dizia respeito à competência para o julgamento de uma ação ajuizada por servidores celetistas, que pleiteiam uma vantagem remuneratória de natureza administrativa.

O primeiro ponto tratado pelo Supremo envolveu a possibilidade de haver contratações de servidores públicos pelo regime celetista (e não pelo regime de Direito Administrativo ou estatutário).

O STF elencou os casos em que essa contratação celetista se faz viável.

O primeiro exemplo trabalha com a polêmica em torno da Emenda Constitucional 19/98.

A redação original do art. 39 da Constituição exigia que os servidores públicos fossem contratados com base em um regime jurídico único, que é um regime de Direito Administrativo (chamado de estatutário).

Veio a EC 19/98 e eliminou desse dispositivo a expressão “regime jurídico único”.

Mas o STF entendeu que, nesse ponto, a EC 19/98 tinha a aparência de inconstitucionalidade, conforme a medida cautelar deferida na ADI 2.135.

Havia, porém, um hiato. O que fazer com os servidores contratados no regime celetista entre a vigência da EC 19/98 e a suspensão da redação atribuída ao art. 39 da CF (na medida cautelar da ADI 2.135)? O STF entendeu que essas contratações eram válidas, com a manutenção do regime celetista.

Existem outras hipóteses de contratação de servidores pelo regime da CLT. O STF entendeu na ADI 5.615 que a expressão “regime jurídico único” constante do art. 39 da Constituição Federal “não pretendeu impor, necessariamente, a adoção do regime estatutário. De modo que “compete a cada Ente federativo estipular, por meio de lei em sentido estrito, o regime jurídico de seus servidores, escolhendo entre o regime estatutário ou o regime celetista, sendo indispensável a edição de lei específica com essa finalidade.”     

Há outros casos: os Conselhos Profissionais também podem contratar os seus funcionários pelo regime da CLT (ADC 36, ADI 5.367 e ADPF 367).
  
E, por fim, a hipótese mais conhecida: os empregados públicos admitidos pelas entidades da Administração Pública indireta com personalidade jurídica de direito privado se submetem, necessariamente, ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.  

Então, resumindo as situações, é possível que o Poder Público contrate servidores públicos pelo regime da CLT:

- no período que vai entre a EC 19/98 e a suspensão da eficácia do art. 39 da CF (na redação dada por essa EC 19/98);   

- no caso dos entes federativos que prevejam, nas respectivas leis, essa espécie de contratação;

- na hipótese dos Conselhos Profissionais; e

-  no caso dos entes da Administração Pública Indireta com personalidade de direito privado (empresas públicas e sociedades de economia mista).

Uma coisa, porém, é fixar o regime jurídico da contratação; outra é definir de quem será a competência para julgar os conflitos que surjam.

A esse respeito, o STF também já possui uma boa sistematização de precedentes.

A Corte definiu, por exemplo, que a legalidade da greve de servidores públicos celetistas deve ser definida pela Justiça Comum, e não pela Justiça do Trabalho.

A tese foi objeto do Tema 544 da repercussão geral, de acordo com o qual “A justiça comum, federal ou estadual, é competente para julgar a abusividade de greve de servidores públicos celetistas da Administração pública direta, autarquias e fundações públicas.”

Da mesma forma, o empregado público dos Correios (sujeito a um regime celetista), quando pleiteia a sua reintegração, deve ter a demanda ajuizada pela Justiça Comum (e não pela Justiça do Trabalho), consoante o Tema 606 da repercussão geral:

“A natureza do ato de demissão de empregado público é constitucional-administrativa e não trabalhista, o que atrai a competência da Justiça comum para julgar a questão. A concessão de aposentadoria aos empregados públicos inviabiliza a permanência no emprego, nos termos do art. 37, § 14, da CRFB, salvo para as aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/19, nos termos do que dispõe seu art. 6º.”

Por fim, o STF reconheceu a competência da Justiça Comum para julgar controvérsias relacionadas à fase pré-contratual de seleção e de admissão de pessoal e eventual nulidade do certame (concurso público) em face da Administração Pública direta ou indireta, ainda que a contratação vá se dar no regime celetista. De acordo com o STF, “o critério a ser levado em consideração para definição da competência jurisdicional é o da natureza da matéria discutida.”

Essa mesma lógica, portanto, foi levada em conta na resolução do problema desse caso concreto: competência para julgar ação ajuizada por servidor celetista, mas que pede verba de natureza administrativa.

Por isso, embora o servidor seja regido pela CLT, a causa de pedir e o pedido formulados na ação não se fundamentam na legislação trabalhista, mas em norma estatutária (de Direito Administrativo), cuja aplicação não pertence à competência da Justiça do Trabalho.

Prevalece, portanto, a natureza do pedido formulado, nesse raciocínio para se definir a justiça competente.

O STF, de resto, fez uma modulação do julgado, “para manter na Justiça do Trabalho, até o trânsito em julgado e correspondente execução, os processos em que houver sido proferida sentença de mérito até a data de publicação da presente ata de julgamento.”

Dispositivos

Constituição Federal
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide ADIN 3392) (Vide ADIN 3432)
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
(...).

Repercussão Geral, Tema 1143. Servidor público celetista. Ação judicial para pleitear vantagem administrativa. Competência da Justiça Comum. STF, RE 1.288.440, julgado em 30/06/2023, Informativo 1.102.