Tese
Em relação ao sistema "credit scoring", o interesse de agir para a propositura da ação cautelar de exibição de documentos exige, no mínimo, a prova de: i) requerimento para obtenção dos dados ou, ao menos, a tentativa de fazê-lo à instituição responsável pelo sistema de pontuação, com a fixação de prazo razoável para atendimento; e ii) que a recusa do crédito almejado ocorreu em razão da pontuação que lhe foi atribuída pelo sistema "scoring".
Hipótese fática
Em ação de exibição de documentos ajuizada contra a Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre, para se obter o extrato de pontuação do Crediscore, o juízo de primeiro grau terminou por extinguir o processo sem resolução do mérito, ao fundamento de que o consumidor deveria ter feito o prévio pedido administrativo, sem o que o caso não teria interesse processual. Interposta a apelação contra essa sentença, o TJ/RS negou-lhe provimento.
Sucedeu, então, o recurso especial, com o argumento de que o consumidor tem direito de obter as informações cadastradas em seu nome, inclusive aquelas relacionadas à pontuação avaliada para a concessão de crédito. O recurso foi submetido à sistemática dos repetitivos e julgado pela Segunda Seção do STJ.
Fundamentos
A controvérsia decidida pelo STJ dizia respeito à necessidade de se fazer um prévio requerimento administrativo para a obtenção dos dados do sistema Crediscore, conjunto de elementos vinculados à pessoa do consumidor e utilizados na análise de concessão de crédito.
A existência de cadastros desse tipo ganha suporte no próprio art. 43 do CDC, que igualmente regula o direito do consumidor de ter acesso aos dados. De acordo com o STJ, esse dispositivo prevê o direito (a) de acesso às informações arquivadas; b) de que essas informações sejam corretas, claras e objetivas; c) de ser comunicado por escrito quanto ao seu registro no arquivo de consumo; d) de retificação dos dados incorretos; e e) de exclusão, quando não houver justa causa para sua inclusão, com proteção quer no âmbito extrajudicial, quer na via judicial.
De modo mais específico, a Lei 12.414/2011 regula a formação e a consulta a bancos de dados com informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para formação de histórico de crédito.
O STJ levou em consideração, porém, o instituto do interesse processual, de modo a regular a forma como o consumidor deve ter acesso a esses dados. A preocupação da Corte partiu da quantidade excessiva de demandas que podem surgir em torno do tema, muitas das quais com a finalidade única de obtenção de honorários advocatícios, sem que haja uma lide propriamente dita.
Daí a lembrança das três modalidades em que o interesse de agir se manifesta: i) utilidade, pois o processo deve trazer algum proveito para o autor; (ii) adequação, uma vez que se exige correspondência entre o meio escolhido e a tutela pretendida; (iii) necessidade, haja vista a demonstração de que a tutela jurisdicional seja imprescindível para alcançar a pretensão do autor.
A respeito do interesse de agir, o STJ lembrou o julgamento feito pelo STF no RE 631.240, para dizer que se trata “de uma condição da ação essencialmente ligada aos princípios da economicidade e da eficiência. Partindo-se da premissa de que os recursos públicos são escassos, o que se traduz em limitações na estrutura e na força de trabalho do Poder Judiciário, é preciso racionalizar a demanda, de modo a não permitir o prosseguimento de processos que, de plano, revelam-se inúteis, inadequados ou desnecessários. Do contrário, o acúmulo de ações inviáveis poderia comprometer o bom funcionamento do sistema judiciário, inviabilizando a tutela efetiva das pretensões idôneas.”
Fixadas essas premissas, o STJ entendeu que a ação de exibição de documento dos elementos do Crediscore deve ser precedida da tentativa de obtenção dos dados na via administrativa, assim como deve se basear na demonstração de que a recusa do crédito pretendido ocorreu em razão da pontuação que foi atribuída ao consumidor.
Essa exigência (do pedido administrativo prévio), aliás, é igualmente feita na ação de habeas data, conforme prevê o art. 8º da Lei 9.507/97, de modo que o entendimento do STJ vai na linha do que o próprio direito positivo tem estabelecido em torno do assunto.
Não custa pontuar, de todo modo, que, no caso concreto, o STJ afirmou que a simples utilização do sistema “faleconosco” não se revela suficiente para suprir a exigência do prévio requerimento, devendo o consumidor utilizar a via adequada (com pedido pessoal e devidamente identificado) disposta pelos cadastros disponíveis para que o requisito do interesse processual possa restar satisfeito.
Dispositivos
Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90)
Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
§ 1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.
§ 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.
§ 3° O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas.
§ 4° Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público.
§ 5° Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores.
§ 6º Todas as informações de que trata o caput deste artigo devem ser disponibilizadas em formatos acessíveis, inclusive para a pessoa com deficiência, mediante solicitação do consumidor. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015)
STJ, Súmula 550
A utilização de escore de crédito, método estatístico de avaliação de risco que não constitui banco de dados, dispensa o consentimento do consumidor, que terá o direito de solicitar esclarecimentos sobre as informações pessoais valoradas e as fontes dos dados considerados no
respectivo cálculo.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO À SISTEMÁTICA PREVISTA NO ART. 543-C DO CPC. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. CREDISCORE. INTERESSE DE AGIR. DEMONSTRAÇÃO DE QUE A RECUSA DE CRÉDITO OCORREU EM RAZÃO DA FERRAMENTA DE SCORING, ALÉM DE PROVA DO REQUERIMENTO PERANTE A INSTITUIÇÃO RESPONSÁVEL E SUA NEGATIVA OU OMISSÃO.
1. A Segunda Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.419.697/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos, definiu que, no tocante ao sistema scoring de pontuação, "apesar de desnecessário o consentimento do consumidor consultado, devem ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados considerados (histórico de crédito), bem como as informações pessoais valoradas" (REsp 1419697/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/11/2014, DJe 17/11/2014).
2. Assim, há interesse de agir para a exibição de documentos sempre que o autor pretender conhecer e fiscalizar documentos próprios ou comuns de seu interesse, notadamente referentes a sua pessoa e que estejam em poder de terceiro, sendo que "passou a ser relevante para a exibitória não mais a alegação de ser comum o documento, e sim a afirmação de ter o requerente interesse comum em seu conteúdo" (SILVA, Ovídio A. Batista da. Do processo cautelar. Rio de Janeiro:
Forense, 2009, fl. 376).
3. Nessa perspectiva, vem a jurisprudência exigindo, sob o aspecto da necessidade no interesse de agir, a imprescindibilidade de uma postura ativa do interessado em obter determinado direito (informação ou benefício), antes do ajuizamento da ação pretendida.
4. Destarte, para efeitos do art. 543-C do CPC, firma-se a seguinte tese: "Em relação ao sistema credit scoring, o interesse de agir para a propositura da ação cautelar de exibição de documentos exige, no mínimo, a prova de: i) requerimento para obtenção dos dados ou, ao menos, a tentativa de fazê-lo à instituição responsável pelo sistema de pontuação, com a fixação de prazo razoável para atendimento; e ii) que a recusa do crédito almejado ocorreu em razão da pontuação que lhe foi atribuída pelo sistema Scoring".
5. Recurso especial a que se nega provimento. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008.
(REsp n. 1.304.736/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 24/2/2016, DJe de 30/3/2016.)