Entendimento
Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias proferidas na ação por ato de improbidade administrativa, em razão da incidência do art. 19, § 1º, da Lei da Ação Popular (L. 4.717/65).
Hipótese fática
Em ação por ato de improbidade administrativa ajuizada na justiça do Estado do Rio de Janeiro, o juiz de primeiro grau indeferiu o pedido do Ministério Público Estadual de realização do depoimento da parte ré. Contra essa decisão interlocutória, o MPE/RJ interpôs agravo de instrumento, que não foi conhecido pelo TJ/RJ, ao argumento de que essa espécie de decisão não se encontra listada nos incisos do art. 1.015 do CPC (que prevê um rol de taxatividade mitigada).
O MPE/RJ, então, interpôs recurso especial no STJ, para defender a ampla recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas em ação de improbidade, diante da aplicação do art. 19, § 1º, da L. 4.717/65 (Lei da Ação Popular), afastando-se, no ponto, a incidência do art. 1.015 do CPC.
Fundamentos
A controvérsia decidida pelo STJ dizia respeito ao cabimento do agravo de instrumento em ação de improbidade administrativa, com a incidência do art. 1.015 do CPC (taxatividade mitigada) ou do art. 19, § 1º, da L. 4.717/65 (ampla recorribilidade).
O STJ levou em conta a existência de um microssistema do processo coletivo, composto por um conjunto de leis – Código de Defesa do Consumidor, Lei da Ação Civil Pública, Lei de Improbidade Administrativa, Lei da Ação Popular e outras que tutelam direitos dessa natureza – que regem a tramitação desse tipo de feito.
Por isso, no caso dos processos coletivos, esse conjunto de leis possui preferência em relação ao Código de Processo Civil. Mais ainda: essas leis que regem o processo coletivo terminam por se comunicar e formar um regime jurídico próprio.
Daí a conclusão no sentido de que o art. 19, § 1º, da Lei da Ação Popular (L. 4.717/65), que prevê a ampla recorribilidade das decisões interlocutórias por agravo de instrumento, se aplica também às ações de improbidade administrativa.
De resto, esse entendimento vai ao encontro do que prevê o art. 1.015, XIII, do próprio CPC, que fala expressamente do cabimento do agravo de instrumento em relação a outros casos expressamente referidos em lei.
Daí a conclusão do STJ no sentido de que “deve-se aplicar à Ação por Improbidade o mesmo entendimento já adotado em relação à Ação Popular, como sucedeu, entre outros, no seguinte precedente:
"A norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva, prevendo a impugnação de decisões interlocutórias mediante agravo de instrumento (art. 19 da Lei 4.717/65), não é afastada pelo rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII daquele preceito contempla o cabimento daquele recurso em 'outros casos expressamente referidos em lei.'"
Dispositivos
Lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular)
Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo. (Redação dada pela Lei 6.014/73)
§ 1º Das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento. (Redação dada pela Lei 6.014/73)
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERE PEDIDO DE DEPOIMENTO PESSOAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO. PREVALÊNCIA DE PREVISÃO CONTIDA NA LEI DA AÇÃO POPULAR SOBRE O ARTIGO 1.015 DO CPC/2015. MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Na origem, trata-se de Ação por Improbidade na qual se narra que a então Prefeita de Angra dos Reis/RJ teria deixado de repassar à entidade de previdência dos servidores municipais as contribuições previdenciárias descontadas de seus vencimentos, o que teria resultado na apropriação indébita, entre Janeiro e Dezembro de 2016, da quantia de R$ 15.514.884,41 (quinze milhões e quinhentos e quatorze mil e oitocentos e oitenta e quatro reais e quarenta e um centavos), atualizado até fevereiro de 2017. Em valores atualizados:
R$ 23.590.184,71 (vinte e três milhões, quinhentos e noventa mil, cento e oitenta e quatro reais e setenta e um centavos).
2. O Juízo de primeiro grau indeferiu o pedido de depoimento pessoal da ré, o que resultou na interposição de Agravo de Instrumento.
3. O acordão ora recorrido não conheceu do Recurso, sob o fundamento de que seria "inaplicável na hipótese o disposto no artigo 19, parágrafo 1º da Lei nº 4.717/65, já que se refere às Ações Populares" e "a Decisão hostilizada não se enquadra no rol taxativo do artigo 1.015 do Código de Processo Civil" (fls. 48-49, e-STJ). PREVALÊNCIA DO MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA SOBRE NORMAS INCOMPATÍVEIS PREVISTAS NA LEI GERAL 4. Esse entendimento contraria a orientação, consagrada no STJ, de que "O Código de Processo Civil deve ser aplicado somente de forma subsidiária à Lei de Improbidade Administrativa. Microssistema de tutela coletiva" (REsp 1.217.554/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 22.8.2013).
5. Na mesma direção: "Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados com o escopo de 'propiciar sua adequada e efetiva tutela'" (art. 83 do CDC)" (REsp 695.396/RS, Primeira Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe 27.4.2011).
6. Deve-se aplicar à Ação por Improbidade o mesmo entendimento já adotado em relação à Ação Popular, como sucedeu, entre outros, no seguinte precedente: "A norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva, prevendo a impugnação de decisões interlocutórias mediante agravo de instrumento (art. 19 da Lei n. 4.717/65), não é afastada pelo rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII daquele preceito contempla o cabimento daquele recurso em 'outros casos expressamente referidos em lei'" (AgInt no REsp 1.733.540/DF, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 4.12.2019). Na mesma direção:
REsp 1.452.660/ES, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 27.4.2018. CONCLUSÃO 7. A ideia do microssistema de tutela coletiva foi concebida com o fim de assegurar a efetividade da jurisdição no trato dos direitos coletivos, razão pela qual a previsão do artigo 19, § 1º, da Lei da Ação Popular ("Das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento") se sobrepõe, inclusive nos processos de improbidade, à previsão restritiva do artigo 1.015 do CPC/2015.
8. Recurso Especial provido, com determinação de o Tribunal de origem conheça do Agravo de Instrumento interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e o decida como entender de direito.
(REsp 1925492/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/05/2021, DJe 01/07/2021)