Entendimento
É inconstitucional — por violar os princípios do juiz natural, da razoabilidade e da proporcionalidade — o inciso VIII do art. 144 do Código de Processo Civil (CPC/2015), que estabelece que o magistrado está impedido de atuar nos processos em que a parte seja cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, ainda que essa mesma parte seja representada por advogado de escritório diverso.
Hipótese fática
A Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade para impugnar o art. 144, VIII, do Código de Processo Civil, o qual estabelece o impedimento do juiz “em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório”.
O autor da ação pontuou que “o dispositivo ora impugnado se presta apenas para enxovalhar alguns magistrados, pois quando há o interesse de atingi-los ou maculá-los, certamente para constrangê-lo em razão de já ter proferido decisão(ões) contrária(s) aos seus eventuais detratores, esses se prestam a fazer pesquisas extra-autos para obter a informação necessária a apontar o impedimento que o magistrado desconhece.”
A AMB defendeu que a norma atacada nessa ADI (art. 144, VIII, do CPC) contraria os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Fundamentos
O voto condutor do acórdão começou fazendo uma distinção imprescindível à compreensão do tema.
A ADI 5.953 não atacava o impedimento do juiz decorrente da presença, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, do cônjuge, do companheiro ou de parente (até o terceiro grau) no processo em que atue.
Esse impedimento está presente no art. 144, III, do CPC, de acordo com o qual o juiz é impedido de exercer as suas funções no processo “quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive.”
O art. 144, III, do CPC, aliás, é completado pelo § 3º do mesmo artigo, para dizer que “O impedimento previsto no inciso III também se verifica no caso de mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que individualmente ostente a condição nele prevista, mesmo que não intervenha diretamente no processo.”
Então, se o cônjuge, o(a) companheiro(a) ou o parente do(a) magistrado(a) atua no processo como advogado, defensor público om membro do MP, o juiz simplesmente é impedido e ponto final. Essa hipótese também se aplica ainda que o advogado (usado como referência para gerar o impedimento) pertença ao escritório que atua no caso concreto, mas não tenha especificamente praticado algum ato processual.
Conforme o próprio relator do caso acentuou a propósito do art. 144, III e § 3º, do CPC:
“Essa [norma], sim, é orientada pela ideia objetiva de impedir que o magistrado exerça suas funções em processos que atue, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, ou, ainda, qualquer outro membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros algum familiar do magistrado, mesmo que esse não intervenha diretamente no processo.”
A ADI 5.953 não mexeu nisso. Essas hipóteses continuam gerando o impedimento do juiz.
Então, o que a ADI ora comentada atacou, como já afirmado, foi o art. 144, VIII, do CPC, dispositivo que trata de uma outra situação. Esse dispositivo traz a hipótese em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório.
De forma simples, a empresa X é cliente do escritório A, que tem nos seus quadros um advogado que é cônjuge, companheiro ou parente do juiz. Pela regra do art. 144, VIII, do CPC, essa situação geraria o impedimento do juiz, mesmo que a empresa X, em um dado caso, estivesse sendo defendida pelo escritório B, que não possui nos seus quadros nenhum advogado que seja cônjuge, companheiro ou parente do magistrado.
Essa foi a regra que o STF reputou inconstitucional.
E o fundamento principal de que o Supremo partiu foi a própria contrariedade ao princípio da proporcionalidade.
Cuida-se de uma hipótese de impedimento baseada em um dado que não está à disposição do juiz. Não há como o juiz conhecer a carteira de clientes de um escritório, dado que, a rigor, pode até ser visto como sigiloso.
Se não bastasse, a relação dos clientes com os escritórios de advocacia é muito dinâmica. De acordo com o voto condutor, “Sociedades de advogados são formadas, desmembradas e dissolvidas. Advogados empregados são contratados e demitidos. Tudo sem grande alarde ou publicidade. (...). O fato é que a lei simplesmente previu a causa de impedimento, sem dar ao juiz o poder ou os meios para pesquisar a carteira de clientes do escritório de seu familiar, o que demonstra a ofensa ao princípio da proporcionalidade.”
O Supremo entendeu, portanto, que a norma do art. 144, VIII, do CPC não atinge o fim visado – o dispositivo não é adequado à finalidade pretendida, e assim não atende ao princípio da proporcionalidade (que se subdivide em adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito).
Mas não é só. O STF também ressaltou que a seleção do juiz se dá pela distribuição dos processos, algo que se revela aleatório. A aplicação do art. 144, VIII, do CPC, porém, entregaria para as partes o poder de escolher o juiz, bastando que o cliente de um escritório A (que tem nos seus quadros um parente do magistrado) contratasse para um caso concreto um outro escritório de advocacia, que já serviria para tornar o juiz impedido – com o direcionamento da causa para um julgador diverso.
O STF entendeu que essa forma de atuar contraria o princípio do juiz natural – porque permite que a parte termine por selecionar o juiz do caso concreto.
Dispositivos
Código de Processo Civil
Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:
(...)
III - quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;
(...)
VIII - em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório;
(...)
§ 3º O impedimento previsto no inciso III também se verifica no caso de mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que individualmente ostente a condição nele prevista, mesmo que não intervenha diretamente no processo.