Recurso Repetitivo, Tema 1143. Contrabando de cigarros. Possibilidade de aplicação do princípio da insignificância. Limite de 1.000 maços de cigarros. Reiteração delitiva. Considerações. STJ, REsp 1.971.993-SP, julgado em 13/09/2023, Informativo 787.
Por Flávio Borges
29 de setembro de 2023
Penal
Parte Especial do CP

Tese

O princípio da insignificância é aplicável ao crime de contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não ultrapassar 1.000 (mil) maços, seja pela diminuta reprovabilidade da conduta, seja pela necessidade de se dar efetividade à repressão ao contrabando de vulto, excetuada a hipótese de reiteração da conduta, circunstância apta a indicar maior reprovabilidade e periculosidade social da ação.

Hipótese fática

Um dado réu foi condenado pelo cometimento do crime de contrabando – de 530 maços de cigarro, de importação proibida. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, porém, reformou a sentença nesse ponto, para absolver o acusado em razão da incidência do princípio da insignificância.   

O MPF, então, interpôs recurso especial, com o argumento de que o crime de contrabando não atinge apenas a arrecadação tributária, mas é igualmente um delito contra a saúde pública, o que deveria impedir a aplicação do princípio da insignificância.

Fundamentos

O STJ começou por lembrar que, pelo menos com uma regra geral, o deito de contrabando (que traz a conduta de importar ou exportar mercadoria proibida) não pode se submeter ao princípio da insignificância. E aqui não custa distinguir o delito de descaminho do de contrabando: no descaminho há a ausência de pagamento de tributo devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria permitida, ao passo de que no contrabando a importação/exportação de mercadoria proibida.  

No delito de contrabando, portanto, que não trabalha apenas com a questão tributária, o tema da saúde pública ganha relevância.

Aliás, essa ligação da saúde pública com o crime de contrabando de cigarros não é algo simplesmente abstrato, conforme demonstrou o voto que abriu a divergência (ao citar Cleber Pinto da Silva, em Caracterização e Avaliação da Qualidade dos Cigarros Contrabandeados no Brasil):   

“A preocupação com a saúde pública, em se tratando de crimes dessa jaez, não consubstancia uma ilação vazia, destituída de base científica, pois, ainda que o fumo, em sentido geral, seja uma prática maléfica à saúde, há estudo comprovando que os cigarros contrabandeados, em geral, ostentam uma carga de substâncias nocivas superior àqueles vendidos regularmente no Brasil, além do que apresentam algum tipo de contaminante dos tipos fungos, fragmentos de insetos, gramíneas ou ácaros acima do indicado como boas práticas de higiene pela ANVISA.”

Ainda assim, o STJ avançou no tema.

O Tribunal partiu de considerações de ordem pragmática, para considerar que as apreensões de até 1.000 maços de cigarro representam um pequeno volume (não chegam a atingir 0,6%) no total das apreensões executadas, mas elas terminam por gerar uma sobrecarrega na Justiça Federal e nos demais órgãos de persecução (Ministério Público Federal e polícia federal), sobretudo na região de fronteira, com inúmeros inquéritos policiais e outros feitos criminais derivados de apreensões inexpressivas.

Essa consideração levou o STJ a reputar que as apreensões de até 1.000 maços de cigarros (de importação/exportação proibida) devem ser tratadas dentro do princípio da insignificância, salvo se houver reiteração da conduta.

A decisão do STJ, portanto, não trabalhou a teoria do crime de uma forma técnica.

A rigor, a tipicidade pode ser analisada do ponto de vista formal e material. A tipicidade formal é a simples descrição da lei; é o tipo penal tal como enunciado nas regras jurídicas. A tipicidade material, por sua vez, trabalha com uma ofensa real ao bem jurídico protegido. Se essa ofensa não existe, o fato não é típico (não há tipicidade material) e o acontecimento não pode ser tido como criminoso.

Então, pela teoria do crime, se um fato é insignificante, não há crime, de modo que o STJ acabou de fixar que a apreensão de até 1.000 maços de cigarros de importação/exportação proibida não caracteriza o tipo penal do contrabando (art. 334-A do CP) – o que representou uma verdadeira mudança no entendimento até então aplicado naquele Tribunal.

Sucedeu, entretanto, que esse mesmo STJ, ao fixar a tese ora enunciada, admitiu a não aplicação do princípio da insignificância caso o agente – mesmo que limitado aos 1.000 maços de cigarros proibidos – tenha agido com reiteração criminosa.

A rigor, o STJ admite a aplicação de elementos externos ao fato para analisar a incidência ou não do princípio da insignificância.       

De resto, a apreensão de até 1.000 maços de cigarros proibidos, embora não seja em princípio considerada crime, continua a caracterizar uma infração administrativa, com a apreensão e a destruição das mercadorias.  

Dispositivos

Código Penal
Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida: (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)
§ 1º Incorre na mesma pena quem: (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)
I - pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando; (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)
II - importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente; (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)
III - reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação; (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)
IV - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira; (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)
V - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira.  (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)
§ 2º - Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências. (Incluído pela Lei nº 4.729, de 14.7.1965)
§ 3º A pena aplica-se em dobro se o crime de contrabando é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial. (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)

Recurso Repetitivo, Tema 1143. Contrabando de cigarros. Possibilidade de aplicação do princípio da insignificância. Limite de 1.000 maços de cigarros. Reiteração delitiva. Considerações. STJ, REsp 1.971.993-SP, julgado em 13/09/2023, Informativo 787.