Exame de corpo de delito. Ausência. Inexistência de outras provas para suprir a falta do exame. Absolvição. STJ, AgRg no AREsp 2.078.054.
Por Flávio Borges
16 de junho de 2023
Processo Penal
Provas

Entendimento

O exame de corpo de delito poderá, em determinadas situações, ser dispensado para a configuração de lesão corporal ocorrida em âmbito doméstico, na hipótese de subsistirem outras provas idôneas da materialidade do crime.

Hipótese fática

O Superior Tribunal de Justiça julgou recurso especial interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que promoveu a condenação do acusado por lesão corporal (art. 129 do CP).  

O recorrente argumentou que a condenação não se baseou em um exame de corpo de delito, de modo que não havia prova suficiente para sustentar a conclusão tomada pelo Tribunal de 2º grau.

Fundamentos

O Superior Tribunal de Justiça não precisou revolver as provas produzidas no caso para adotar a conclusão a que chegou – revolvimento que, como se sabe, é proibido em sede de recurso especial, que apenas admite a discussão em torno da qualificação jurídica que se vai adotar.  

A hipótese envolvia o afirmado cometimento de uma lesão corporal no ambiente doméstico.

A sentença pontuou expressamente que não foi feito exame de corpo de delito na vítima.

As provas produzidas, por isso, se resumiram ao depoimento da vítima colhido na fase investigativa, ao interrogatório judicial que ela realizou, a algumas fotografias e à oitiva do irmão da vítima, que não presenciou pessoalmente o fato.   

O STJ lembrou o dilema que o Poder Judiciário vive em hipóteses semelhantes. De um lado, há a necessidade de se responder adequadamente aos atos de violência doméstica. De outro, a exigência de um devido processo legal e provas legitimamente produzidas.  

O Código de Processo Penal (art. 158) exige que o crime que deixa vestígios deve receber exame de corpo de delito, direto ou indireto.

O exame direto é aquele realizado sobre o corpo de delito – no caso de uma lesão corporal, seria o exame médico feito na própria vítima.

O exame indireto é feito quando se revela impossível a realização do exame direto – ele ocorre, por exemplo, pela oitiva de testemunhas.

A jurisprudência dos Tribunais Superiores admite a ausência do exame de corpo de delito direito, mas desde que as provas produzidas sejam suficientes a embasar uma conclusão condenatória.

Tudo deve caminhar, então, pela análise dos elementos do caso concreto.

A hipótese julgada pelo STJ, de um suposto crime de lesão corporal cometido em ambiente doméstico, revelou a presença do depoimento da vítima, de fotografias e de uma testemunha que não presenciou o fato (mas apenas ouviu o que a vítima contou).

O STJ, então, considerou essas provas insuficientes para alicerçar a condenação. A rigor, as fotografias não foram periciadas, de modo que não se podia afirmar que elas se referiam a um evento ocorrido no dia do delito. A testemunha, à sua vez, reproduziu o acontecimento “por ouvir dizer”, o que terminou por revelar a fragilidade de todo o contexto das provas.

De acordo com o próprio relator do caso:

“Conquanto o Superior Tribunal de Justiça confira especial importância à palavra da vítima nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica, devido ao contexto de clandestinidade em que normalmente ocorrem, tal conclusão não deve ser vulgarizada a ponto de esvaziar o conteúdo normativo do art. 158 do Código de Processo Penal. Os fatos ocorreram em Brasília, capital dotada de boa infraestrutura no que se refere aos órgãos de persecução penal, mas não há qualquer explicação sobre o porquê de não terem sido feitos o exame de corpo de delito e a perícia das fotografias. Aplicam-se, portanto, os precedentes de que a absolvição se impõe diante da falta de prova técnica exigida por lei, e cuja ausência não é adequadamente suprida, nem devidamente justificada.”    

Dispositivos

Código de Processo Penal
Art. 158.  Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Parágrafo único. Dar-se-á prioridade à realização do exame de corpo de delito quando se tratar de crime que envolva: (Incluído dada pela Lei nº 13.721, de 2018)
I - violência doméstica e familiar contra mulher; (Incluído dada pela Lei nº 13.721, de 2018)
II - violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência.   (Incluído dada pela Lei nº 13.721, de 2018)

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Ementa

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DE LESÃO CORPORAL. CONTEXO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. EXAME DE CORPO DE DELITO. AUSÊNCIA. FOTOGRAFIA NÃO PERICIADA. INSUFICIÊNCIA DE OUTROS MEIOS DE PROVA. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA PARA A NÃO REALIZAÇÃO DE PROVA TÉCNICA. SÚMULA 83 AFASTADA. ABSOLVIÇÃO.
I - Segundo a jurisprudência deste Tribunal, a palavra da vítima detém especial importância nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica, devido ao contexto de clandestinidade em que normalmente ocorrem. Todavia, a aludida tese não deve ser vulgarizada a ponto de esvaziar o conteúdo normativo do art. 158 do Código de Processo Penal.
II - Por um lado, incumbe ao Poder Judiciário responder adequadamente aos que perpetram atos de violência doméstica, a fim de assegurar a proteção de pessoas vulneráveis, conforme preconiza a Constituição. Por outro, é um consectário do Estado de Direito preservar os direitos e garantias que visam a mitigar a assimetria entre os cidadãos e o Estado no âmbito do processo penal.
III - O exame de corpo de delito poderá, em determinadas situações, ser dispensado para a configuração de lesão corporal ocorrida em âmbito doméstico, na hipótese de subsistirem outras provas idôneas da materialidade do crime acostadas aos autos. Precedentes.
IV - Todavia, especificamente no caso em análise, o exame de corpo de delito de ixou de ser realizado e os elementos de prova restantes - fotografia não periciada, depoimento da vítima e relato de informante que não presenciou os fatos - se mostraram insuficientes para a manutenção do édito condenatório. Súmula 83 afastada.
V - A absolvição é medida que se impõe diante da falta de prova técnica exigida por lei, e cuja ausência não foi adequadamente suprida, nem devidamente justificada.
Agravo regimental provido.
(AgRg no AREsp n. 2.078.054/DF, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 23/5/2023, DJe de 30/5/2023)

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Exame de corpo de delito. Ausência. Inexistência de outras provas para suprir a falta do exame. Absolvição. STJ, AgRg no AREsp 2.078.054.